O que estamos comendo?

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A origem da comida, nos grandes centros urbanos, é um mistério para a maioria dos seus habitantes. As grandes redes de supermercado são uma das causas do afastamento do indivíduo com o alimento. É improvável saber quem cultivou o tomate e a cenoura que compramos, porque ela vem de algum fornecedor distante e sem nome, que, provavelmente, cultiva em larga escala com uso de (você já sabe o que vem a seguir) agrotóxicos. Sim, eles mesmos. Os causadores de tantos problemas de saúde e que estão entrando para a lista negra de muitos países, menos o nosso.

Parece um cenário cabuloso. Afinal, estamos comendo veneno. Mas existem soluções e uma delas é a floresta urbana. Consumir alimento local, que foi cultivado – quem diria – no telhado do prédio ao lado ou naquele terreno baldio do bairro, – que, agora, é motivo de orgulho para os moradores da região – é possível e já é realidade em várias cidades pelo mundo. Inclusive, no Brasil.

No telhado do Shopping Eldorado, em São Paulo, encontra-se uma horta que é responsável pelo abastecimento da praça de alimentação. Já o resíduo orgânico gerado pelo consumo da praça transforma-se em adubo para a horta. De acordo com o site do shopping, o projeto já reduziu significativamente a quantidade de lixo enviada ao aterro sanitário, reduzindo, também, a emissão de carbono na atmosfera gerada pelo transporte do material. A horta também ajuda a regular a temperatura interna do local, que fica mais amena, o que reduz o desperdício de água – utilizada nos equipamentos de refrigeração de ar.  Na horta é possível encontrar: berinjela, jiló, cebola, pimentões, pimentas, salsinhas, alfaces, gengibre, tomates, manjericão, morango, pepino, abobrinha; além de gazânia e lavanda; e das ervas capim-cidreira, hortelã, erva doce, carquejo, malva, sálvia, alecrim, bálsamo e poejo. No primeiro ano de cultivo da horta, foram realizadas três colheitas. Uma delas produziu mais de 900 pés de alface e 400 berinjelas. E os alimentos são cultivados sem pesticidas!

Outro case é o da Urban Farmcy, restaurante localizado em Porto Alegre, em que parte dos alimentos é produzida no próprio estabelecimento. No site da empresa, o termo hiperlocal defende que, nesse modo de produção, é possível manter o alimento vivo até a hora de ser consumido. O sistema reduz o consumo de combustíveis e a emissão de carbono por reduzir a distância entre plantio e consumo. Lá no restaurante, os alimentos crescem livres de agrotóxicos também.

Mas a primeira fazenda urbana foi realmente inaugurada em 2017, em Belo Horizonte. Localizada na área externa do Boulevard Shopping, a estufa de 1.500 m² tem capacidade para produzir 40 mil pés de alface baby e algumas ervas por mês. Tudo orgânico. O projeto é da empresa Be Gree, que busca tornar a cadeia de alimentos mais sustentável, diminuindo a distância entre produtor e comprador. A empresa em si não comercializa o que é produzido na estufa com o consumidor final, o negócio é feito por meio de parcerias com restaurantes e supermercados da cidade.

Foto por Fancycrave no Unsplash

Esses casos provam que é possível, sim, aproximar as pessoas do produtor. É possível trazer a produção para dentro das cidades. Anos de consumo de industrializados e de afastamento, tornaram a população ociosa. Parou-se de questionar qual a origem das coisas e sob quais condições eram produzidas. Mas existem, atualmente, diversos movimentos que demonstram que esse comportamento tem os dia (talvez alguns anos) contados. E é preciso que assim seja. Porque, segundo a Anvisa, o Brasil é responsável pelo consumo de 10% de todos os defensivos agrícolas produzidos no mundo. E alguns foram proibidos na Europa e nos Estados Unidos há mais de 20 anos.

No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, no período de 2007 a 2013, foram notificadas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) 59.576 notificações de intoxicações por agrotóxicos (uso agrícola, uso doméstico, uso na saúde pública, raticida e produto veterinário), sendo que, dessas, 32.369 (54,3%) são relacionadas à tentativa de suicídio. Os agrotóxicos, devido a sua toxicidade intrínseca, são nocivos à saúde humana. Os malefícios variam de acordo com o princípio ativo, a dose absorvida, a forma de exposição e as características individuais da pessoa exposta.  Mas as consequências são muitas: alergias, distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos, neoplasias, mortes acidentais e suicídios.

Isso é um excelente motivo para migrarmos para uma cultura orgânica e enchermos as cidades de fazendas e pomares urbanos e hortas comunitárias. O cultivo deve ser local. Nosso consumo e produção devem ser locais, porque, dessa forma, dialoga-se com a necessidade da região e, também, com os recursos disponíveis na mesma. Orgânico: por definição, aquele que remete ao desenvolvimento natural. A natureza existiu por muito tempo sem influência humana. Devemos aprender com ela e imitar a forma como funciona e os processos que têm. Cultivo natural, livre de agrotóxicos, deveria ser regra.