Close em uma pequena planta crescendo ao lado de uma árvore, com ciclistas desfocados ao fundo em alameda urbana arborizada, simbolizando vida que ressurge em territórios urbanos transformados.

Territórios de extração: o que o solo revela sobre nossas cidades

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Nas encostas de Ouro Preto, nos desertos do Atacama ou nos bairros esquecidos pelas metástases urbanas das grandes cidades brasileiras, há algo que permanece sob os nossos pés: uma história escrita em camadas. 

Ali onde antes havia floresta, garimpo, lavra ou vazamento, o solo guarda memórias de uso, abandono e sobrevivência. Essas marcas são, na verdade, pistas sobre como ocupamos, exploramos e depois tentamos esquecer determinados espaços.

Chamamos esses lugares de territórios de extração

Mas o conceito vai muito além da mineração: ele se refere a toda forma de apropriação intensa e seletiva do espaço urbano e rural, seja para extrair recursos, energia, histórias ou mesmo silêncios. 

E mais do que feridas no relevo, esses territórios funcionam como palimpsestos urbanos, superfícies reescritas várias vezes, mas cujos rastros antigos ainda resistem sob as novas camadas.

Saiba mais ao longo do artigo!

Solo como arquivo: o que a paisagem nos conta

Imagine uma folha de papel usada várias vezes. Primeiro, ela foi um poema; depois, um contrato; mais tarde, uma lista de compras. 

Cada nova escrita tenta apagar a anterior, mas alguma coisa sempre sobra. Com os territórios de extração acontece algo parecido: cada uso do solo deixa vestígios, ainda que invisíveis.

Na arquitetura, reconhecer essas camadas é essencial. Projetar em um lugar que já foi marcado por um ciclo extrativista (de recursos ou de energia social) exige mais do que um bom desenho. 

Exige escuta, leitura e interpretação. Exige, em certo sentido, agir como um arqueólogo urbano.

Bons exemplos vêm de fora. Em Essen, na Alemanha, o antigo complexo minerador de carvão Zollverein foi transformado em um polo cultural onde a memória industrial foi incorporada à nova arquitetura. 

O aço oxidado não foi escondido; foi acolhido. Em vez de apagar a história, o projeto tornou-a visível.

Quando construir é também reconstruir sentidos

No Brasil, territórios como Brumadinho ou Marabá impõem desafios semelhantes. Além das questões ambientais e técnicas, há uma carga simbólica a ser considerada: como reocupar espaços marcados por tragédias ou negligências?

Em situações assim, a arquitetura pode (e deve) operar também como ferramenta de reconciliação. 

Ao adotar Soluções Baseadas na Natureza (SbNs), por exemplo, é possível reintroduzir vegetação nativa, melhorar a drenagem do solo, reduzir ilhas de calor e reativar espaços abandonados com novos usos comunitários.

Mais do que infraestrutura, essas soluções representam uma mudança de olhar: um reconhecimento de que o solo tem memória, e que reocupar um espaço é também recontar sua história.

Uma nova forma de mapear

O trabalho em territórios de extração exige um mapeamento diferente. Não só do relevo ou da contaminação, mas das narrativas ali enterradas. O urbanismo que se propõe regenerativo precisa considerar:

  • Passivos ambientais e sociais;
  • Usos anteriores e seus impactos;
  • Expectativas da população local;
  • Possibilidades de reconversão simbólica.

Nessa perspectiva, cada lote, ruína ou bairro pode ser lido como um texto urbano. E projetar, então, é também reinterpretar esse texto com cuidado, responsabilidade e poesia.

Recomendações para ampliar a leitura

Se você se interessa por essa abordagem, algumas ideias podem aprofundar sua percepção:

  • Leia o livro Slow Violence and the Environmentalism of the Poor, de Rob Nixon. Ele discute como certos impactos ambientais são lentos, invisíveis, mas devastadores, especialmente em territórios pobres.
  • Use o Google Earth para observar mudanças em territórios como Serra Pelada ou Paracatu ao longo das décadas. O que foi apagado? O que resistiu?
  • Ao visitar um terreno ocioso ou um bairro esquecido, tente “ler o solo”: onde havia calçada? De onde vem aquele entulho? Que espécies espontâneas brotam ali?

Reescrever o futuro onde o passado insiste

Territórios de extração não precisam ser apenas feridas ou cicatrizes. Eles também são matéria-prima para novas narrativas. 

A arquitetura, quando sensível a essas camadas, pode transformar paisagens marcadas pelo uso predatório em lugares de reparação, memória e futuro.

Da próxima vez que você caminhar por um espaço aparentemente vazio, lembre-se: o solo guarda muito mais do que parece.

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